Tenho tanta fome
do cheiro do céu
e do gosto salgado do mar
Tenho tantos ontens
e tantas antemanhãs ondulando
um mar aberto sem cais
dentro de mim.
...
Amor é o grito que chega calado Frêmito que farfalha no verde da relva Fogo que suspira dentro do peito Na boca da noite é sol que pula as dobras do céu e escancara as portas cerradas do dia Debruça-se na janela esmiúça a alma e despeja poesia
A lágrima rega o chão dos meus olhos Faz uma poça d’água passa o tempo o sol quente seca e você não chega Espera que fertiliza faz florescer em meu olhar cachos de miosótis pequeninos e azuis
Todas as poesias não ditas a você ontem antes de ontem e em outros dias estão mofando mudas dentro da minha garganta Na ponta da língua um braço do amor deságua No vão das pedras emendado às reticências minha boca sorve o gosto azul de sangue suado de tinta fresca que enverniza as palavras E a ressaca lambe os tantos versos escritos e não bebidos
Voyuer
Mil olhos enxergam
os versos livres
guardados no âmago
das minhas vísceras
No bolso das horas
passa o tempo
corre o vento
Espelho transparente
voyeur de mim
num casulo
de janela aberta
Céu de dia
onde as palavras livres
ávidas de vida
me pedem um risco
uma linha
Idos tempos
Outros
...Aqueles atrás dos muros
Poesia exilada
num regime de fome
e sem alforria
Qual uma flor nascida de pedra sem perfume
aos poucos se desfarelando
arranhando a garganta
Como doía...
Na beira da estrada o vento empurra as folhas sem rumo
...Longe dali da janela entreaberta os umbrais opacos do olhar inexpressivos tremulam
As pálpebras cerradas se abrem
O bruxuleio frouxo da lamparina turva o meio da noite desdobra as sombras e ofusca o desfolho solitário amarelecido do outono orvalhado trancado do lado de fora
Nos fundos do jardim dos sonhos cessa a chuva e os entremeios do sol despertam a macieza perfumada das flores
As borboletas inquietas adejam e o pó fino das asas de mil cores adornam o vento
A menina acorda com os cachos amassados a face corada e os olhos rasos d’água Sonolenta boceja a manhã pisa os poros fartos e úmidos da terra Esfrega os olhos embaçados apanha os sonhos mau dormidos na corda dobra e guarda na gaveta
...Atrás da porta o coração suspira alagado e a menina cresce da noite para o dia
Meio sem jeito olha de lado sorri e colhe as pétalas do novo dia
Corpos suados Insaciáveis entregues ao lume dos desejos Lábios ardentes tecendo beijos de sol ...O gozo pleno se derrama junto com as ondas rendadas de espumas Na areia fica escrito um poema de sal incrustado nos cristais cerúleos do mar
Uma aragem quente ondula o silêncio da tarde Com dedos leves o vento voeja uma sementeira prenhe de palavras Chove Quando amanhece os versos nascem de mãos dadas com o sol Abundantes enchem o cerúleo dia com poesia
Tu consertas o pêndulo lento do tempo Fias a gota do dia Teces o caminho mais claro da noite Destelhas o teto e a flor do meu corpo habita-me ...Como quem não tem para onde ir
Tu me dizes Na sua vida serei eterno como o mar o sol o luar as estrelas o céu... O mundo todo lá fora Serei seu eterno amor ... Miro seus olhos e digo Na sua vida serei os minutos poucos e as horas fartas Do anoitecer ao romper do dia serei poesia
Rafael Augusto – Valentina Diadory 25/02/2011 14:30 h
O menino me contou que quando anoitece o vento sopra devagar empurra as nuvens alvas do céu e a réstia loura de sol que estava escondida se espicha e de longe aparece um pouquinho As ondas crespas do mar se acalmam e levam o barco para a praia Lambem a areia e o pescador vai para casa descansar Até parece ser de dia
...O sono chega o menino boceja esfrega os olhinhos miúdos e se debruça dentro da poesia...
Esperou tanto Lá pelas tantas já pelo avesso teve um dedo de prosa com o silêncio Mirou-se no espelho do pó de arroz Engoliu os soluços passou batom ajeitou os cabelos bateu a poeira do vestido sacudiu o olhar e saiu pisando nas pedras soltas que ainda ruíam por dentro
Descalça desço as escadas de mim... Tudo tão escuro Às cegas tateio o chão forrado de páginas amassadas Careço do verbo Careço de palavras pingando na ponta do lápis para bordar na alvura do linho fiado
Na parede caiada o pêndulo renitente tomba os minutos e passa as horas De soslaio a palavra míngua na porosidade das mãos Da lonjura o verso carece das linhas deitadas que risca o olhar do poeta